terça-feira, 6 de abril de 2010

A casa da minha "Ôma" - 11 - Páscoa


Não lembro de ter passado algum Natal por lá, mas as Páscoas daquele tempo merecem um capítulo especial.
Meses antes, minha querida tia Laura, que era deficiente vocal, confirmava com a minha mãe, do jeito dela, sobre o dia em que chegaríamos para a Páscoa. Elas eram irmãs gêmeas e se entendiam bem. Era o que bastava para ela começar a recolher ovos de ganso para colocar nos ninhos prá mim. Eram ovos grandões, lindos, que ela esvaziava, provavelmente para alguma omelete. Com todo o cuidado, fazia um furinho na extremidade, lavava e secava, depois pintava com tinta extraída de papel crepom colorido. Aí, colocava minúsculas balinhas coloridas ou amendoim açucarado como recheio, fechava com papel de seda e ficava nos esperando, impaciente. Minha mãe aproveitava e levava alguns chocolates no formato de coelho, tudo muito bem escondido de mim, afinal, a festa do coelho era coisa para criança curtir na fantasia mesmo.
Na véspera da Páscoa chegávamos à Raphael. Meu tio Ingo sempre vinha nos encontrar no outro lado do rio, onde tínhamos que atravessar sobre um tronco de árvore, achatado de propósito, para as pessoas andarem sobre ele. Eu morria de medo pois o rio tinha as águas geladas, muitas pedras e a água corria velozmente sob nossos pés, mas, meu tio sempre me levava no colo até a outra margem. Minha mãe vinha logo em seguida. Atravessávamos um caminho por entre um milharal, subíamos uma suave ladeira por entre muitas árvores bem ao lado da casa da ôma e lá estava ela: tia Laura, varrendo o quintal de chão batido, não deixando uma folhinha, um cisco sequer no chão que no fim, mais parecia um piso de assoalho encerado, de tão limpo. Ela sentia um prazer especial naquilo, o fazia como ritual. Penso que era para celebrar a alegria do nosso reencontro, a festa da Páscoa, o espírito da inocência. Assim que nos avistava, largava tudo, secava as mãos no avental e saía correndo ao nosso encontro para ajudar-nos com as bolsas e sacolas, na maior alegria.
Depois dos abraços, adentrávamos a casa, fresquinha de brisa, com o som do tique-taque do relógio, o fogão à lenha fumegante, com sua panela de ferro cheinha de frango borbulhando no molho, e mais batatas doces e arroz. Almoçávamos e como sempre, tinha o papo dos adultos para pôr em dia. Eu deitava num tapete de pele de carneiro, no chão ao lado delas e pegava no sono ali mesmo, embalada pelo mesmo tique-taque daquele relógio antigão, do ranger das dobradiças das janelas e pelas conversas intermináveis. Acordava com minha mãe passando pano no chão, fazendo a limpeza para a Páscoa. À tarde, minha tia Laura arrumava a palha para os ninhos onde o “coelho” poria os ovos e chocolates. Tudo era festa e magia, inteiramente patrocinada pela tia Laura.
Na manhã da Páscoa eu percebia que ela ficava de longe, prá lá e prá cá, só esperando que eu acordasse, mais ansiosa que eu. Como era um tempo bem frio, eu gostava de ficar mais tempo sob aquela coberta de penas gostosa. Mas, ante a ansiedade dela, levantava, sem entender direito o que estava acontecendo. Era quando eu vislumbrava ninhos e mais ninhos de palha pela casa toda e pelo quintal limpo, repletos de ovos coloridos e chocolates. Era a visão do paraíso! Era uma felicidade só!! Minha e da minha tia, me vendo feliz. O coelho não havia se esquecido de mim!!! Ela era tão pura e inocente como uma criança, e a minha alegria era a dela. Esperava-me com uma cestinha na mão, feita de papelão e toda forrada de papel crepom para que eu colocasse os ovos nela o cada ninho encontrado. E eu fazia esse trabalho de pronto, afinal, procurar ninhos com ovos pela casa era uma diversão e tanto. Foram Páscoas inesquecíveis e felizes. Numa dessas ocasiões, ela colocou num dos ninhos, uma galinha de brinquedo, que soltava ovinhos de plástico branco quando a apertávamos. Foi o êxtase!!! Nunca vou esquecer disso. Os únicos brinquedos que eu tinha na vida até ali eram duas bonecas velhas, e receber aquela galinha amarela soltando ovos foi o máximo!!!Era essa...

Um comentário:

  1. Muito bonito! do jeito que a Urda escreve. Olha sua aposentadoria aí, te levando a escrever e a escrever cada vez mais.
    bjs.
    Gilsomar

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terça-feira, 6 de abril de 2010

A casa da minha "Ôma" - 11 - Páscoa


Não lembro de ter passado algum Natal por lá, mas as Páscoas daquele tempo merecem um capítulo especial.
Meses antes, minha querida tia Laura, que era deficiente vocal, confirmava com a minha mãe, do jeito dela, sobre o dia em que chegaríamos para a Páscoa. Elas eram irmãs gêmeas e se entendiam bem. Era o que bastava para ela começar a recolher ovos de ganso para colocar nos ninhos prá mim. Eram ovos grandões, lindos, que ela esvaziava, provavelmente para alguma omelete. Com todo o cuidado, fazia um furinho na extremidade, lavava e secava, depois pintava com tinta extraída de papel crepom colorido. Aí, colocava minúsculas balinhas coloridas ou amendoim açucarado como recheio, fechava com papel de seda e ficava nos esperando, impaciente. Minha mãe aproveitava e levava alguns chocolates no formato de coelho, tudo muito bem escondido de mim, afinal, a festa do coelho era coisa para criança curtir na fantasia mesmo.
Na véspera da Páscoa chegávamos à Raphael. Meu tio Ingo sempre vinha nos encontrar no outro lado do rio, onde tínhamos que atravessar sobre um tronco de árvore, achatado de propósito, para as pessoas andarem sobre ele. Eu morria de medo pois o rio tinha as águas geladas, muitas pedras e a água corria velozmente sob nossos pés, mas, meu tio sempre me levava no colo até a outra margem. Minha mãe vinha logo em seguida. Atravessávamos um caminho por entre um milharal, subíamos uma suave ladeira por entre muitas árvores bem ao lado da casa da ôma e lá estava ela: tia Laura, varrendo o quintal de chão batido, não deixando uma folhinha, um cisco sequer no chão que no fim, mais parecia um piso de assoalho encerado, de tão limpo. Ela sentia um prazer especial naquilo, o fazia como ritual. Penso que era para celebrar a alegria do nosso reencontro, a festa da Páscoa, o espírito da inocência. Assim que nos avistava, largava tudo, secava as mãos no avental e saía correndo ao nosso encontro para ajudar-nos com as bolsas e sacolas, na maior alegria.
Depois dos abraços, adentrávamos a casa, fresquinha de brisa, com o som do tique-taque do relógio, o fogão à lenha fumegante, com sua panela de ferro cheinha de frango borbulhando no molho, e mais batatas doces e arroz. Almoçávamos e como sempre, tinha o papo dos adultos para pôr em dia. Eu deitava num tapete de pele de carneiro, no chão ao lado delas e pegava no sono ali mesmo, embalada pelo mesmo tique-taque daquele relógio antigão, do ranger das dobradiças das janelas e pelas conversas intermináveis. Acordava com minha mãe passando pano no chão, fazendo a limpeza para a Páscoa. À tarde, minha tia Laura arrumava a palha para os ninhos onde o “coelho” poria os ovos e chocolates. Tudo era festa e magia, inteiramente patrocinada pela tia Laura.
Na manhã da Páscoa eu percebia que ela ficava de longe, prá lá e prá cá, só esperando que eu acordasse, mais ansiosa que eu. Como era um tempo bem frio, eu gostava de ficar mais tempo sob aquela coberta de penas gostosa. Mas, ante a ansiedade dela, levantava, sem entender direito o que estava acontecendo. Era quando eu vislumbrava ninhos e mais ninhos de palha pela casa toda e pelo quintal limpo, repletos de ovos coloridos e chocolates. Era a visão do paraíso! Era uma felicidade só!! Minha e da minha tia, me vendo feliz. O coelho não havia se esquecido de mim!!! Ela era tão pura e inocente como uma criança, e a minha alegria era a dela. Esperava-me com uma cestinha na mão, feita de papelão e toda forrada de papel crepom para que eu colocasse os ovos nela o cada ninho encontrado. E eu fazia esse trabalho de pronto, afinal, procurar ninhos com ovos pela casa era uma diversão e tanto. Foram Páscoas inesquecíveis e felizes. Numa dessas ocasiões, ela colocou num dos ninhos, uma galinha de brinquedo, que soltava ovinhos de plástico branco quando a apertávamos. Foi o êxtase!!! Nunca vou esquecer disso. Os únicos brinquedos que eu tinha na vida até ali eram duas bonecas velhas, e receber aquela galinha amarela soltando ovos foi o máximo!!!Era essa...

Um comentário:

  1. Muito bonito! do jeito que a Urda escreve. Olha sua aposentadoria aí, te levando a escrever e a escrever cada vez mais.
    bjs.
    Gilsomar

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