sábado, 14 de novembro de 2009

O Natal se aproxima...A faxina de Natal



O profeta João Batista chamava o povo para o arrependimento e ao batismo: “Arrependam-se dos seus pecados porque o Reino do céu está perto”!... e João os batizava no rio Jordão" (Mateus 3.2 e 6). Não se sabe determinar quando iniciou, mas até hoje em certas regiões, na época do advento, as pessoas e famílias fazem uma limpeza interior e externa: avaliam a sua vida e constroem esperanças novas para o futuro e limpam também os seus armários, a casa inteira, os jardins, pintam as casas... etc. Infelizmente esta tradição está comprometida, cada vez menos pessoas têm armários para limparem, casas para pintarem, jardins para cuidarem e poucas encontram tempo ou dão importância para o ritual de arrependimento.

Quando se aproxima o Natal, é quase impossível prá mim não lembrar dos meus Natais da infância, ainda mais agora que estou morando numa cidade que não tem muito a ver com as minhas tradições germânicas de comemorar o Natal.
Bacalhau na ceia? Rabanada? Castanha portuguesa? É tudo muito bom, mas no mínimo destoante com as minhas recordações, repletas de aromas e sabores da terra natal e dos meus tempos madrigais.

Hoje, trabalhando fora, não tenho tempo para fazer sequer uma clássica-pseudo-prévia-genérica “Faxina Natalina”, tradição tão importante quanto a ceia em qualquer casa que prezasse cultivar esse preparativo para a data mais importante do ano.
Tudo era escovado, lavado, repintado, encerado, esfregado, areado, aparado, e todos os “ados” possíveis nessa que era a mais completa limpeza geral, total e irrestrita do ano, e começava já no início de Dezembro, quando as primeiras cigarras davam o ar da graça ou “o sinal da largada” no quintal ou nos postes da rua, que na época, lembro, eram de madeira.
Era uma tradição que nossos antepassados trouxeram da longínqua Europa, e significava a renovação do espírito para um novo ano que viria.
O verão já se fazia sentir, e o calor dificultava algumas tarefas, como encerar o assoalho ou limpar o sótão, mas tinha que ser feito com a seriedade de uma penitência.
Tudo começava com a retirada das cortinas e os tapetes na casa toda. Era tudo levado para a lavanderia, e lá ficariam de molho até a hora da esfregação. Esse talvez fosse o dia mais trabalhoso, já que naquele tempo não tínhamos ainda máquina de lavar roupa, e o que existia na época eram apenas os tachos de ferver roupa e os grandes tanques com as famigeradas tábuas, e para tal tarefa, a força da minha mãe era exigida ao extremo: esfregar cortina por cortina, esfregar os tapetes com escova, torcer tudo, pendurar para secar todos aqueles metros de tecido e pesados tapetes, depois passar e recolocar as cortinas nos trilhos. Ufa!
Enquanto isso, meus irmãos, com uma vassoura de cabo muito longo, tiravam as teia de aranha que persistiam penduradas e quase despercebidas nas cantoneiras do forro da casa. Varriam-se inclusive as paredes para retirar toda a poeira depositada durante esse ano todo.
Alguns dias antes do Natal era a vez do assoalho ser tratado. Era varrido, depois passado um pano úmido. Chegava a vez de passar cera. Eu gostava de fazer essa tarefa, pois adorava o cheiro de cera. Era prá mim, cheirinho de casa limpa., passava em todos os cômodos, canto por canto, tábua por tábua, com uma esponja e de joelhos! Depois de seca, com o esfregão (uma espécie de peso de ferro com cabo) passava o pano de lã por tudo, recompensando-me pelo brilho que surgia. Perfeito! O suor escorria do rosto e pingava no chão, estragando o lustre que fora acabado de ser dado.
E os armários da cozinha, da copa, dos quartos, todos eram esvaziados, limpos e arrumados, impecavelmente!
E havia o sofrido dia de limpar o sótão, lugar abafado e sufocante no verão, mas onde eu adorava ficar nas tardes de inverno quando chovia (amava ouvir os pingos no telhado que era rente à cabeça) para brincar de boneca. Mas nos dias de verão era insuportavelmente quente, impossível de se ficar por 10 minutos sequer. Era onde guardávamos as quinquilharias: camas e colchões em desuso, revistas velhas, malas, sobras de madeira, ferramentas, cobertas de pena, enfim, coisas que não eram usadas no dia-a-dia. Tudo era posto no sol, depois arrumado no lugar. No chão, passava-se apenas um pano encharcado de água e pinho para acabar com a poeira.
Mas era no quintal que a aparência de limpeza mais se ressaltava. Minha mãe cultivava nos fundos do quintal um sortidíssimo pomar e uma horta, obstáculos suficientes para enervar qualquer um que tentasse aparar a grama em volta de todos aqueles pés de fruta. Mas não nessa época! Tudo era feito com a maior parcimônia e alegria, afinal o espírito de Natal já aflorava nos corações de todos. E ao final, a grama aparada era varrida, e os pés de frutas e a horta em evidência naquele tapete verde era uma visão de tirar o fôlego. Cigarras e insetos ficavam alvoroçados com o frescor da grama cortada. Vaga-lumes faziam revoadas ao entardecer enchendo as árvores de pisca-piscas naturais.
A frente e laterais da casa também tinham sua parcela de grama e o que sobressaía depois de tudo pronto eram as folhagens, o pé de jasmim, o ipê amarelo e o pé de chorão, com seus galhos compridíssimos envergando até o chão, e o muro, fustigado por 12 meses de sol e chuva também merecera uma pintura nova.
Dentro de casa a faxina também continuava, dia após dia, um item por vez.
E chegava o dia de lustrar como nunca as vidraças, de passar asa de pato em toda e qualquer frestinha da soleira das janelas. E partia-se à esfregação das escadas, das calçadas, dos globos das lâmpadas e do castiçal da sala, tarefa tão delicada que só uma vez por ano era encarada. E havia ainda o dia soberbo de se fazer os biscoitos de Natal.
Era minha tarefa de todo ano limpar a coleção de canecos de chopp e garrafas de vinho do meu irmão Renato. Ficavam expostas na sala de jantar em várias prateleiras de madeira feitas pelo meu pai. Eram muitas garrafas e a que eu mais gostava era uma em forma de papagaio que continha um licor rosa que nunca bebemos e que a enchente de 1983 deu conta de quebrar. Um desperdício.
Nossa porta da frente da casa era parte madeira e parte vidro, que tinham que ser exaustivamente polidos porque aí é que ficaria nossa coroa de advento, hoje “guirlanda”, no 1º domingo de dezembro. Normalmente feita de galhos de pinheiro, pinhas naturais, fita e bolas, ficava uma beleza quando se acendiam as luzes da sala, toda prosa a enfeitar e mostrar à todos que passavam na rua que ali se comemorava o Natal com tradição.

Depois de muitos e muitos dias de árduas rotinas de “ados” , quando o cansaço dava lugar ao prazer de apreciar a tarefa cumprida, chegava o apogeu, o troféu para todos aqueles dias de trabalho e sacrifício: o dia de montar a árvore de Natal !!! A sala onde ele ficaria estava resplandecente: Assoalho espelhado cheirando a cera, cortinas alvas tremulando ao vento, luz avivada do antigo lustre, tapetes com cores mais vivas, enfim, o palco estava montado e maculadamente limpo. Minha mãe preparava a lata onde a árvore seria plantada, colocando pedaços de tijolos e areia para sustentá-lo. Meu pai, que já havia encomendado o pinheiro há dias, saía para ir buscá-lo. Eu ficava no portão, expectante, esperando ele chegar com aquele “pedaço de felicidade”.
E quando ele chegava, carregando a árvore na bicicleta, mal acreditava, era o êxtase total! Assim que ele atravessava o portão, saía correndo atrás, e tentando alcançá-lo, espetava meus dedinhos nos espinhos do caule do pinheiro. Ui, que dor gostosa!
Aí vinha a tarefa de plantá-la na velha lata de todos os anos, e isso cabia aos dois, pois parecia muito difícil aprumá-la. Às vezes o pinheiro era mais alto que o forro da sala e era preciso cortar uma parte do caule. Ah, era delicioso aquele aroma de árvore viva dentro de casa. Depois de finalmente acertá-lo, minha mãe forrava a lata com um papel de motivos natalinos , limpava o pouco de areia que caíra no chão, aguava a árvore e finalmente... ia buscar as caixas de enfeites. Achava que isso não aconteceria nunca. Eram lindos!! De vidro, feitos artesanalmente, numa fábrica de Pomerode, brilhavam muito, tinham recortes e no interior dos recortes, mais e mais cores e brilhos. Qual criança não delirava com uma visão destas?

E agora, com a casa e a alma lavadas, tudo estava pronto para a grande festa, a comemoração de um memorável nascimento e a visita do “Nicolau” * , enfim.

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sábado, 14 de novembro de 2009

O Natal se aproxima...A faxina de Natal



O profeta João Batista chamava o povo para o arrependimento e ao batismo: “Arrependam-se dos seus pecados porque o Reino do céu está perto”!... e João os batizava no rio Jordão" (Mateus 3.2 e 6). Não se sabe determinar quando iniciou, mas até hoje em certas regiões, na época do advento, as pessoas e famílias fazem uma limpeza interior e externa: avaliam a sua vida e constroem esperanças novas para o futuro e limpam também os seus armários, a casa inteira, os jardins, pintam as casas... etc. Infelizmente esta tradição está comprometida, cada vez menos pessoas têm armários para limparem, casas para pintarem, jardins para cuidarem e poucas encontram tempo ou dão importância para o ritual de arrependimento.

Quando se aproxima o Natal, é quase impossível prá mim não lembrar dos meus Natais da infância, ainda mais agora que estou morando numa cidade que não tem muito a ver com as minhas tradições germânicas de comemorar o Natal.
Bacalhau na ceia? Rabanada? Castanha portuguesa? É tudo muito bom, mas no mínimo destoante com as minhas recordações, repletas de aromas e sabores da terra natal e dos meus tempos madrigais.

Hoje, trabalhando fora, não tenho tempo para fazer sequer uma clássica-pseudo-prévia-genérica “Faxina Natalina”, tradição tão importante quanto a ceia em qualquer casa que prezasse cultivar esse preparativo para a data mais importante do ano.
Tudo era escovado, lavado, repintado, encerado, esfregado, areado, aparado, e todos os “ados” possíveis nessa que era a mais completa limpeza geral, total e irrestrita do ano, e começava já no início de Dezembro, quando as primeiras cigarras davam o ar da graça ou “o sinal da largada” no quintal ou nos postes da rua, que na época, lembro, eram de madeira.
Era uma tradição que nossos antepassados trouxeram da longínqua Europa, e significava a renovação do espírito para um novo ano que viria.
O verão já se fazia sentir, e o calor dificultava algumas tarefas, como encerar o assoalho ou limpar o sótão, mas tinha que ser feito com a seriedade de uma penitência.
Tudo começava com a retirada das cortinas e os tapetes na casa toda. Era tudo levado para a lavanderia, e lá ficariam de molho até a hora da esfregação. Esse talvez fosse o dia mais trabalhoso, já que naquele tempo não tínhamos ainda máquina de lavar roupa, e o que existia na época eram apenas os tachos de ferver roupa e os grandes tanques com as famigeradas tábuas, e para tal tarefa, a força da minha mãe era exigida ao extremo: esfregar cortina por cortina, esfregar os tapetes com escova, torcer tudo, pendurar para secar todos aqueles metros de tecido e pesados tapetes, depois passar e recolocar as cortinas nos trilhos. Ufa!
Enquanto isso, meus irmãos, com uma vassoura de cabo muito longo, tiravam as teia de aranha que persistiam penduradas e quase despercebidas nas cantoneiras do forro da casa. Varriam-se inclusive as paredes para retirar toda a poeira depositada durante esse ano todo.
Alguns dias antes do Natal era a vez do assoalho ser tratado. Era varrido, depois passado um pano úmido. Chegava a vez de passar cera. Eu gostava de fazer essa tarefa, pois adorava o cheiro de cera. Era prá mim, cheirinho de casa limpa., passava em todos os cômodos, canto por canto, tábua por tábua, com uma esponja e de joelhos! Depois de seca, com o esfregão (uma espécie de peso de ferro com cabo) passava o pano de lã por tudo, recompensando-me pelo brilho que surgia. Perfeito! O suor escorria do rosto e pingava no chão, estragando o lustre que fora acabado de ser dado.
E os armários da cozinha, da copa, dos quartos, todos eram esvaziados, limpos e arrumados, impecavelmente!
E havia o sofrido dia de limpar o sótão, lugar abafado e sufocante no verão, mas onde eu adorava ficar nas tardes de inverno quando chovia (amava ouvir os pingos no telhado que era rente à cabeça) para brincar de boneca. Mas nos dias de verão era insuportavelmente quente, impossível de se ficar por 10 minutos sequer. Era onde guardávamos as quinquilharias: camas e colchões em desuso, revistas velhas, malas, sobras de madeira, ferramentas, cobertas de pena, enfim, coisas que não eram usadas no dia-a-dia. Tudo era posto no sol, depois arrumado no lugar. No chão, passava-se apenas um pano encharcado de água e pinho para acabar com a poeira.
Mas era no quintal que a aparência de limpeza mais se ressaltava. Minha mãe cultivava nos fundos do quintal um sortidíssimo pomar e uma horta, obstáculos suficientes para enervar qualquer um que tentasse aparar a grama em volta de todos aqueles pés de fruta. Mas não nessa época! Tudo era feito com a maior parcimônia e alegria, afinal o espírito de Natal já aflorava nos corações de todos. E ao final, a grama aparada era varrida, e os pés de frutas e a horta em evidência naquele tapete verde era uma visão de tirar o fôlego. Cigarras e insetos ficavam alvoroçados com o frescor da grama cortada. Vaga-lumes faziam revoadas ao entardecer enchendo as árvores de pisca-piscas naturais.
A frente e laterais da casa também tinham sua parcela de grama e o que sobressaía depois de tudo pronto eram as folhagens, o pé de jasmim, o ipê amarelo e o pé de chorão, com seus galhos compridíssimos envergando até o chão, e o muro, fustigado por 12 meses de sol e chuva também merecera uma pintura nova.
Dentro de casa a faxina também continuava, dia após dia, um item por vez.
E chegava o dia de lustrar como nunca as vidraças, de passar asa de pato em toda e qualquer frestinha da soleira das janelas. E partia-se à esfregação das escadas, das calçadas, dos globos das lâmpadas e do castiçal da sala, tarefa tão delicada que só uma vez por ano era encarada. E havia ainda o dia soberbo de se fazer os biscoitos de Natal.
Era minha tarefa de todo ano limpar a coleção de canecos de chopp e garrafas de vinho do meu irmão Renato. Ficavam expostas na sala de jantar em várias prateleiras de madeira feitas pelo meu pai. Eram muitas garrafas e a que eu mais gostava era uma em forma de papagaio que continha um licor rosa que nunca bebemos e que a enchente de 1983 deu conta de quebrar. Um desperdício.
Nossa porta da frente da casa era parte madeira e parte vidro, que tinham que ser exaustivamente polidos porque aí é que ficaria nossa coroa de advento, hoje “guirlanda”, no 1º domingo de dezembro. Normalmente feita de galhos de pinheiro, pinhas naturais, fita e bolas, ficava uma beleza quando se acendiam as luzes da sala, toda prosa a enfeitar e mostrar à todos que passavam na rua que ali se comemorava o Natal com tradição.

Depois de muitos e muitos dias de árduas rotinas de “ados” , quando o cansaço dava lugar ao prazer de apreciar a tarefa cumprida, chegava o apogeu, o troféu para todos aqueles dias de trabalho e sacrifício: o dia de montar a árvore de Natal !!! A sala onde ele ficaria estava resplandecente: Assoalho espelhado cheirando a cera, cortinas alvas tremulando ao vento, luz avivada do antigo lustre, tapetes com cores mais vivas, enfim, o palco estava montado e maculadamente limpo. Minha mãe preparava a lata onde a árvore seria plantada, colocando pedaços de tijolos e areia para sustentá-lo. Meu pai, que já havia encomendado o pinheiro há dias, saía para ir buscá-lo. Eu ficava no portão, expectante, esperando ele chegar com aquele “pedaço de felicidade”.
E quando ele chegava, carregando a árvore na bicicleta, mal acreditava, era o êxtase total! Assim que ele atravessava o portão, saía correndo atrás, e tentando alcançá-lo, espetava meus dedinhos nos espinhos do caule do pinheiro. Ui, que dor gostosa!
Aí vinha a tarefa de plantá-la na velha lata de todos os anos, e isso cabia aos dois, pois parecia muito difícil aprumá-la. Às vezes o pinheiro era mais alto que o forro da sala e era preciso cortar uma parte do caule. Ah, era delicioso aquele aroma de árvore viva dentro de casa. Depois de finalmente acertá-lo, minha mãe forrava a lata com um papel de motivos natalinos , limpava o pouco de areia que caíra no chão, aguava a árvore e finalmente... ia buscar as caixas de enfeites. Achava que isso não aconteceria nunca. Eram lindos!! De vidro, feitos artesanalmente, numa fábrica de Pomerode, brilhavam muito, tinham recortes e no interior dos recortes, mais e mais cores e brilhos. Qual criança não delirava com uma visão destas?

E agora, com a casa e a alma lavadas, tudo estava pronto para a grande festa, a comemoração de um memorável nascimento e a visita do “Nicolau” * , enfim.

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