domingo, 15 de novembro de 2009

Natal de Rabanadas





Perdoem-me meus compatriotas sulistas, catarinenses de origem germânica. É claro que, mesmo morando fora do meu estado, procurei manter no Natal a tradição da terra natal com tentativas de “Honigplätzschen” e os “Weichnachts plätzschen” (biscoitinhos de Natal e de Mel), mas nesse ano inovei o cardápio tradicional alemão com a introdução de um acepipe de origem portuguesa “com certeza”: a rabanada.
Explico: meu marido, apesar de paraense de Santarém, veio para o Rio de Janeiro com 6 meses de idade e como todos sabem, o Rio tem muito arraigada a tradição portuguesa, povo colonizador dessa terra. Então, desde a mais tenra infância, é a rabanada que tem o gosto do Natal prá ele, como para nós, os descendentes de alemães, Natal só é Natal se tiver no ar aquele aroma inconfundível de pinheiro natural na sala e cheiro de cravo moído no biscoito natalino assando.
Eis que ele, na véspera de natal de 2006, chega da rua com algumas compras de última hora : abacaxis, frutas secas, refrigerantes para a ceia e um embrulho com dois pães compridos, que descobri depois, eram para eu fazer a tal rabanada. E agora? Nunca as fiz! E não tinha nenhuma receita e nem ele as sabia fazer.
O jeito foi apelar para a internet procurar a “salvação”. Descobri então, que a tal rabanada nada mais é do que uma variação do que nossas mães faziam com pão velho ou seco, quando tinham dó de jogá-lo fora: passavam as fatias no ovo batido com açúcar e canela e o fritavam, às fatias. Eram as tais “fatias-do-céu”. Ficavam uma delícia, não?
Então era só isso? Simples assim? Nada mais elaborado?
Foi aí que pesquisando melhor, percebi que a rabanada tem lá suas diferenças, “ó, pá” ! A começar pelo sentimento.
O aproveitamento do pão velho de nossas mães tinha de alguma forma, o objetivo nobre de santificar o pão, hábito cultivado, acredito, na visão impensável de um pedaço sequer jogado na lata do lixo. Hoje em dia, essa reverência em mim bate tão forte, que se for imperioso jogar um pedaço de pão fora, nunca o faço sem beijá-lo antes.
No Natal em Portugal, além do “pitéu” não ser de pão velho, é tido como tradição na mesa da ceia natalina, costume talvez obtido e amplamente incentivado devido ao aroma inebriante e irresistível de canela e açúcar que se espalhava pelas cozinhas lusitanas do passado.
Se o Natal alemão cheira à cravo moído e folha fresca de pinheiro, o português, acredito, exala aroma de rabanada. Vemos, pois, que os aromas impregnados de lembranças se entrelaçam nas misturas.
Voltando ao avental... A diferença maior, acho, consiste no tipo de pão usado.
Para a rabanada existe um pão específico. O de nossas mães era qualquer um que passasse do tempo, e na maioria das vezes era pão caseiro, que elas mesmas faziam no forno à lenha. Minha mãe tinha na cozinha, como toda boa cozinha de descendente alemão, um fogão à lenha feito de tijolos com forno embutido, construído pelo meu pai, de onde ela tirava maravilhas! Pães caseiros de aipim ou batata, biscoitos de natal, patos e marrecos assados, assadeiras com imensos pernis de porco, cucas, bolos, e todas as delícias possíveis da culinária natal. E mesmo com toda aquela cinza, lascas de toras de madeira e carvão, o chão de madeira daquela cozinha era impecavelmente brilhante, encerado, um espelho e testemunha dos maravilhosos almoços servidos por lá.
Mas, de volta às rabanadas, o pão é sempre do mesmo tipo. Algo muito parecido com um pão-bengala, só que menor, mais fino, com casca mais lisa e macia e com a massa mais compacta. Em algumas casas de comércio compram-se os ditos pães com furos por toda a superfície. Fiquei sabendo que é mais compacto para que, ao ser frito, o miolo não retraia e não desmanche, e os furos, para melhor absorver o leite.
Corta-se em rodelas grossas, mergulha-se no leite adoçado (pode ser por açúcar ou leite condensado), espremendo-se um pouco o excesso do leite, passa-se no trigo, em seguida no ovo batido, e frita-se em bastante óleo. E aí está a outra diferença: É depois de frito que se polvilha o quitute, com muito açúcar misturado à canela em pó.
E é só. Simples assim, barato, fácil de fazer e fica muito bom.
Foi um Natal “luso-germânico” ou seria “teuto-português”??? Mas de qualquer forma foi um Feliz Natal, com todos os sentimentos avivados, de lembranças misturadas com nuances de cheiros e sabores de terras distantes que, não se sabe quando e onde, mas um dia fizeram parte das nossas vidas.

Feliz Natal à todos.


texto escrito em 12/2006

Um comentário:

  1. Tânia,é engraçado e ao mesmo tempo interessante
    ver as diferenças regionais nas nomeclaturas em geral.
    Você falou que no Sul a rabanada é conhecida como "fatia-do-Céu".Sabe que nome aqui,os Pernambucanos e provavelmente muitos nordestinos a chamam? De "fatia-parida".Isso mesmo!
    Li em algum lugar que esse termo veio de Portugal mesmo;eles tinham o costume de alimentar as mulheres recém-paridas com essa
    iguaria,porque segundo dizem,comer coisa doce faz aumentar o leite materno.
    Uma vez fiz essa delícia com calda de vinho tinto,como vi na tv e até que ficou bom!
    Agora uma curiosidade de rabanada,dos meus tempos de infância:Passava um comercial de Leite Moça com um Papai Noel se deliciando com os quitutes natalinos;menina,quando eu via ele comendo a "tal rabanada" que eu nem sabia o que era,ficava doida pra experimentar.Anos depois,vim saber que era nada mais,nada menos que as "fatias-paridas" que minha mãe tanto
    fazia e eu gostava!

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domingo, 15 de novembro de 2009

Natal de Rabanadas





Perdoem-me meus compatriotas sulistas, catarinenses de origem germânica. É claro que, mesmo morando fora do meu estado, procurei manter no Natal a tradição da terra natal com tentativas de “Honigplätzschen” e os “Weichnachts plätzschen” (biscoitinhos de Natal e de Mel), mas nesse ano inovei o cardápio tradicional alemão com a introdução de um acepipe de origem portuguesa “com certeza”: a rabanada.
Explico: meu marido, apesar de paraense de Santarém, veio para o Rio de Janeiro com 6 meses de idade e como todos sabem, o Rio tem muito arraigada a tradição portuguesa, povo colonizador dessa terra. Então, desde a mais tenra infância, é a rabanada que tem o gosto do Natal prá ele, como para nós, os descendentes de alemães, Natal só é Natal se tiver no ar aquele aroma inconfundível de pinheiro natural na sala e cheiro de cravo moído no biscoito natalino assando.
Eis que ele, na véspera de natal de 2006, chega da rua com algumas compras de última hora : abacaxis, frutas secas, refrigerantes para a ceia e um embrulho com dois pães compridos, que descobri depois, eram para eu fazer a tal rabanada. E agora? Nunca as fiz! E não tinha nenhuma receita e nem ele as sabia fazer.
O jeito foi apelar para a internet procurar a “salvação”. Descobri então, que a tal rabanada nada mais é do que uma variação do que nossas mães faziam com pão velho ou seco, quando tinham dó de jogá-lo fora: passavam as fatias no ovo batido com açúcar e canela e o fritavam, às fatias. Eram as tais “fatias-do-céu”. Ficavam uma delícia, não?
Então era só isso? Simples assim? Nada mais elaborado?
Foi aí que pesquisando melhor, percebi que a rabanada tem lá suas diferenças, “ó, pá” ! A começar pelo sentimento.
O aproveitamento do pão velho de nossas mães tinha de alguma forma, o objetivo nobre de santificar o pão, hábito cultivado, acredito, na visão impensável de um pedaço sequer jogado na lata do lixo. Hoje em dia, essa reverência em mim bate tão forte, que se for imperioso jogar um pedaço de pão fora, nunca o faço sem beijá-lo antes.
No Natal em Portugal, além do “pitéu” não ser de pão velho, é tido como tradição na mesa da ceia natalina, costume talvez obtido e amplamente incentivado devido ao aroma inebriante e irresistível de canela e açúcar que se espalhava pelas cozinhas lusitanas do passado.
Se o Natal alemão cheira à cravo moído e folha fresca de pinheiro, o português, acredito, exala aroma de rabanada. Vemos, pois, que os aromas impregnados de lembranças se entrelaçam nas misturas.
Voltando ao avental... A diferença maior, acho, consiste no tipo de pão usado.
Para a rabanada existe um pão específico. O de nossas mães era qualquer um que passasse do tempo, e na maioria das vezes era pão caseiro, que elas mesmas faziam no forno à lenha. Minha mãe tinha na cozinha, como toda boa cozinha de descendente alemão, um fogão à lenha feito de tijolos com forno embutido, construído pelo meu pai, de onde ela tirava maravilhas! Pães caseiros de aipim ou batata, biscoitos de natal, patos e marrecos assados, assadeiras com imensos pernis de porco, cucas, bolos, e todas as delícias possíveis da culinária natal. E mesmo com toda aquela cinza, lascas de toras de madeira e carvão, o chão de madeira daquela cozinha era impecavelmente brilhante, encerado, um espelho e testemunha dos maravilhosos almoços servidos por lá.
Mas, de volta às rabanadas, o pão é sempre do mesmo tipo. Algo muito parecido com um pão-bengala, só que menor, mais fino, com casca mais lisa e macia e com a massa mais compacta. Em algumas casas de comércio compram-se os ditos pães com furos por toda a superfície. Fiquei sabendo que é mais compacto para que, ao ser frito, o miolo não retraia e não desmanche, e os furos, para melhor absorver o leite.
Corta-se em rodelas grossas, mergulha-se no leite adoçado (pode ser por açúcar ou leite condensado), espremendo-se um pouco o excesso do leite, passa-se no trigo, em seguida no ovo batido, e frita-se em bastante óleo. E aí está a outra diferença: É depois de frito que se polvilha o quitute, com muito açúcar misturado à canela em pó.
E é só. Simples assim, barato, fácil de fazer e fica muito bom.
Foi um Natal “luso-germânico” ou seria “teuto-português”??? Mas de qualquer forma foi um Feliz Natal, com todos os sentimentos avivados, de lembranças misturadas com nuances de cheiros e sabores de terras distantes que, não se sabe quando e onde, mas um dia fizeram parte das nossas vidas.

Feliz Natal à todos.


texto escrito em 12/2006

Um comentário:

  1. Tânia,é engraçado e ao mesmo tempo interessante
    ver as diferenças regionais nas nomeclaturas em geral.
    Você falou que no Sul a rabanada é conhecida como "fatia-do-Céu".Sabe que nome aqui,os Pernambucanos e provavelmente muitos nordestinos a chamam? De "fatia-parida".Isso mesmo!
    Li em algum lugar que esse termo veio de Portugal mesmo;eles tinham o costume de alimentar as mulheres recém-paridas com essa
    iguaria,porque segundo dizem,comer coisa doce faz aumentar o leite materno.
    Uma vez fiz essa delícia com calda de vinho tinto,como vi na tv e até que ficou bom!
    Agora uma curiosidade de rabanada,dos meus tempos de infância:Passava um comercial de Leite Moça com um Papai Noel se deliciando com os quitutes natalinos;menina,quando eu via ele comendo a "tal rabanada" que eu nem sabia o que era,ficava doida pra experimentar.Anos depois,vim saber que era nada mais,nada menos que as "fatias-paridas" que minha mãe tanto
    fazia e eu gostava!

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